29.9.06

Reencontro - Lawrence e Dorian

17 de janeiro de 2202.
Black Harlequim ~nocturnal club~




As pessoas sempre me foram boa companhia. São divertidas e me entretêm, encenando sem perceber a sua própria tragédia. Esta noite, no entanto, sinto-me rodeado de objetos sem graça ou interesse. As meninas do cabaré, a Máfia e seus charutos perfumados, até mesmo a música requintada do piano me faz cansado. Florença não é mais a mesma. Tudo agora é tão claro e explícito, que é demasiado simples deduzir o fim do show. E isso é preocupante. É preocupante.

Talvez eu tenha sido imprudente em recusar aquela Aliança. Talvez seja mesmo um tolo. Ou talvez... talvez ainda seja o mesmo Dorian de muitos séculos. Não fora uma proposta muito razoável, de qualquer forma. Tenho certeza de que “aliança” não era exatamente a questão ali. A Camarilla não é ameaça para as Tradições. Ao menos o que resta dela por aqui. Ao menos, eu não sou. E, de qualquer forma, não me importo.

É o que penso, aqui, sentado sobre o piano, fazendo graça com as dançarinas enquanto os homens discutem alguma trapaça no poker. Teremos mais sangue do que o necessário por aqui hoje. É o que penso ao constatar que as pessoas somente serão capazes de me entreter enquanto eu tiver um igual ao meu lado, com quem possa ridicularizar a falta de técnica teatral dessas marionetes vazias. É o que penso, quando aquele igual a mim cruza a porta de entrada.

Vejo-o entrar, da maneira como o vi tantas vezes. O mesmo ar antiquado, as roupas fora de moda (mas impecáveis) que chama a atenção de todos por não pertencerem a esse contexto. Com meu olhar vidrado, por um instante, recuso-me a acreditar nessa cena. Mas os olhos dele focalizam diretamente em mim

Dois anos. Dois anos de silêncio e queda para que agora volte aqui, sem uma palavra de aviso, dirija a mim seu olhar sério e tome uma mesa. A sua mesa preferida, a mais escura, no canto mais reservado. O que eu devo fazer? Minha Florença não é mais a mesma por sua causa; o Reinado das Rosas não existe mais aqui por conta de suas ações! Eu deveria caçá-lo. Mas a quem o entregaria? Caçá-lo para quê, afinal? Para ter o sangue daquele que me traiu nas mãos? Parece um motivo plausível para mim. Por mais que as lembranças dos séculos em que vivemos juntos me abordem, eu o vejo envolto em uma aura vermelha agora. E só o que me move é esse vermelho cálido e mortal.

Ele tira as luvas de camurça e pede uma dose dupla de whisky. Eu desço do piano e me aproximo. Vou matá-lo hoje mesmo, caro arlequim. Mas não sei como te direi isso. Sinto uma fúria selvagem quando olho para você. Não sou capaz de conceber a idéia de que tenha me traído. A bebida chega e ele nem toca nela, como sempre; apenas o cheiro o agrada. Sento-me na cadeira bem à sua frente e não consigo conter um sorriso de desprezo ao olhar para seu rosto branco. Ele percebe e me sorri de volta.

Esqueço as palavras e procuro olhá-lo por uns instantes, enquanto ele balança o copo para que o cheiro da bebida seja mais perceptível. O antigo relógio de pêndulo, que mantivemos na parede desde que o Black Harlequim fora aberto, soa zero horas. Os holofotes são acesos sobre o palco, esperando para tocar minha pessoa, mas tenho a impressão de que não apresentarei nada esta noite. Mesmo de costas para o palco, vejo as muitas luzes coloridas refletidas nos olhos azuis de Lawrence; e ele os mantém fixos em mim. Nem ao menos piscara...

...!!

dbac

Calabar franze o cenho. Em uma milésima fração de segundos, sua ira se esvaece no ar, ofuscada por uma névoa de medo, dúvida e perigo que coloca todos os seus sentidos de caçador à mostra. Levanta-se de um salto, não controlando os movimentos ao procurar se distanciar o mais rápido possível do jovem sentado à mesa. A pesada cadeira de madeira cai com um som limpo no chão, que é abafado pela música, enquanto Dorian afasta-se alguns passos.

De pé, sente os músculos tensos e o sangue recém-tomado que lhe acelera o coração e lhe tinge os olhos. Lawrence o observa da mesa, mãos cruzadas sobre as luvas meticulosamente dobradas, impassível. Calabar solta um murmuro por entre os dentes, num tom tão efêmero que somente o outro poderia ouvi-lo.

_ Quem é você?
_ Não me reconhece?
_ Você parece com o Lawrence, mas, com certeza, não é o Lawrence.
_ Como pode dizer isso? Depois de tanto tempo...
_ Você não é o Lawrence. Com certeza não é!
Dorian parte pra cima de Lawrence de uma só vez, rasgando a mesa que estava à sua frente e acertando Lawrence em cheio, este se projeta para trás batendo contra uma das paredes do Black Harlequim. Todos param e olham para a cena: Lawrence se levantando sem nenhuma dificuldade e Dorian, que não transpira, mas se transpirasse teria inundado o Black Harlequim com seu suor encarando o antigo aliado. O medo ainda está estampado na cara de Dorian.
Lawrence passa a ter um olhar mais frio que o comum, diferente do de 2 segundos atrás.
_ Não importa quem você seja, sendo o Lawrence ou não eu vou matá-lo.
Como resposta Dorian vê Lawrence sumir em uma fração de segundos e aparecendo logo atrás dele. Ele sente suas costas esquentarem e então é arremessado contra a mesma parede que Lawrence se encontrava meio minuto atrás. Levantando-se, Dorian encara Lawrence. Com certeza só um dos dois sairá vivo dali e Dorian espera que seja ele. Lawrence avança novamente, Dorian ainda teme o ser que vem como um touro em sua direção empunhando um... machado....?
Dorian só tem tempo de sacar suas adagas e aparar o golpe do traidor, enquanto ele apara, o rosto de Lawrence permenace impassível, ele com certeza está no limite, mas não demonstra nenhum esforço. Dorian empurra Lawrence para longe com suas pernas, suas costas ainda queimam, mas ele ignora a dor e parte no contra-ataque, em um soco Dorian atravessa o abdômen de seu antigo amigo.
_ Mas o quê...?
Lawrence sorri.